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Archive for dezembro \15\America/Sao_Paulo 2022

Memorial de Ulysses

Tenho refletido com frequência sobre o papel de Ulysses em nossas vidas. Já se passaram mais de 18 anos desde que ele se foi para sempre, mas permanece vivo em cada um de nós, inspirando-nos a seguir seus passos e honrar seu nome. Ulysses não deixou nenhum livro sobre suas próprias crenças, seu pensamento e sua missão nesta vida. No entanto, seu pensamento reverbera em nossas mentes como se fosse uma lembrança de que não podemos esmorecer sem que aqueles que geramos tenham assimilado a filosofia que nos guiou até aqui…

Não falo de seu caráter incorruptível, nem de seus incontáveis exemplos de vida, mas de sua alma, sua essência cósmica, seu espírito imortal que nos conduz, silenciosamente, pelas veredas dessa terra tão descaracterizada, pobre de pensamentos, fútil e desinteressante. Falo desse ser de luz que nos ilumina a jornada, mesmo que não possamos enxergar o destino, muito à frente…

Por que não nos desviamos do caminho? Ou então, se nos perdemos, por que o reencontramos na penumbra dos sonhos, curiosamente estranhos e, ainda assim, motivadores, a ponto de reavaliarmos nossa missão e propósito inarredável? Até parece que, na escuridão de nossas almas, surgem as luzes dos faróis nas ocultas pedras de naufrágios, a impedir que a nau desgovernada dessa vida reencontre sua rota, ou derrota, no pronunciar dos marinheiros…

Sabemos não existir unanimidade neste “vale de lágrimas” das religiões dos humanos, nem Ulysses foi uma exceção a essa regra, mas nosso mestre teve o mérito de enfrentar aqueles poderosos que surgiram em seu caminho, mesmo às custas de muito sofrimento, de si e sua família, percorrendo lugares distantes nos esquecidos rincões paulistas do passado. E se fez tanto pelo seu temperamento e caráter, também nos ensinou a sermos felizes onde pouco havia senão pessoas simples e solidárias. A falta de recursos, como energia elétrica, não afetou a nós, ainda crianças, nem à nossa mãe querida, que nos ensinou as lições básicas de qualquer ser humano. Na escuridão das noites, brincávamos ao redor dos pais, apreciávamos as estrelas, ouvíamos estórias de nossos avós e nossos pais…

Assim a vida transcorria em paz, as amizades sinceras surgiam dessa convivência humilde, e a beleza incomparável da natureza se manifestava em nossos corações… foram esses anos que nos ensinaram algo que não existe mais: é na simplicidade da vida que reside a verdadeira amizade e o legítimo amor entre os seres humanos… foi lá, nessa pequena cidade, que cultivamos os valores que nortearam nossas vidas…

Setenta anos se passaram, e esse mundo já não é mais um paraíso inocente… a pureza das almas desapareceu, ou foi substituída pela vaidade, pelo orgulho, pela futilidade, pela inconsistência dos relacionamentos entre os seres humanos… a paz já não mais existe; as amizades puras também desapareceram; a generosidade desinteressada idem… o que restou foi a ganância, a ambição, o desprezo pelos mais fracos, o imediatismo dos atos e a impermanência dos valores humanos…

O que nos reserva o futuro de nossos descendentes? Por quais transformações haverão de passar para superar a devastação irreparável desse mundo onde vivemos? O que será feito das famílias humanas, se as múltiplas relações entre as pessoas se deterioram incessantemente? Por que ter filhos, se animais de estimação tomaram o lugar das crianças nessas instáveis relações? E as guerras de qualquer natureza, entre paises, entre religiões, entre ideologias, entre outros povos dispersos pelas diásporas de fragmentos populacionais foragidos dos preconceitos hostis?

Volto a invocar a memória de Ulysses, nosso mestre, nossa luz, nossas verdades, nosso destino quase impossível, para buscar alguma possibilidade de sobrevivência para nossos descendentes… se estamos no fim da caminhada e nossos exemplos já não permitem dar-lhes esperança, ao menos a trajetória dessas vidas que se extinguem poderiam lhes dar uma tênue esperança, um breve lampejo de orientação, um mínimo de desejo de resgatar aquilo que cultivamos durante toda nossa jornada neste mundo…

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